- Discorrer sobre o processo de formação da gestão pública brasileira.
- Analisar períodos importantes para a formação da gestão pública brasileira.
- Entender o estado-da-arte da gestão pública no Brasil como resultado dos períodos analisados.
Palavras-chaveCoronelismo, localismo, federalismo, gestão pública, gerencialismo.
Este texto está conectado a outros dois (Organização e Gestão: conceitos essenciais e Gestão Pública no Brasil: Conceitos e Práticas Contemporâneas). Nele temos por objetivo discorrer sobre o processo de formação da gestão pública brasileira. Para tanto, recorre-se a um período de tempo não tão longínquo, pois a gestão pública como conhecida atualmente tem traços compartilhados com essas experiências mais antigas. Os elementos apresentados no texto anterior (Gestão Pública no Brasil: Conceitos e Práticas Contemporâneas) servem como pano de fundo para a compreensão da gestão pública e, principalmente, eles são utilizados como dados para a leitura sobre a configuração do Estado no Brasil.
Conforme já apontamos, a evolução das estruturas do Estado acompanha as mudanças sociais mais amplas. As discussões sobre o papel do Estado e dos instrumentos adotados para sua organização foram alteradas por reformas administrativas que representaram tentativas de criar resposta do aparelho estatal para o contexto socioeconômico. Apesar de uma grande vinculação dessa estrutura estatal com outras formas de dominação, principalmente, relacionadas ao poder econômico, existe uma "relativa autonomia do Estado" na condução de suas mudanças.
Na leitura deste texto, você perceberá que o processo de gestão pública no Brasil levou, em muitos momentos, em conta aspectos puramente tecnocráticos, não permitindo que a dimensão da conquista dos direitos prevalecesse. Apesar disso, não queremos dizer que não existiram lutas e reivindicações sociais, mas que elas foram "caladas" pelo próprio movimento de reforma do Estado.
O texto apresenta períodos que são importantes para o entendimento da configuração da gestão pública. Esses períodos são sintetizados com fatos e aspectos importantes para os recortes aqui propostos: o olhar para a gestão pública. Não queremos sustentar, nessa visão, a ideia de evolução já que a construção da administração pública nacional representa um processo que está submetido a alguns reveses, alteração na trajetória e períodos de inércia.
A VELHA REPÚBLICA: PERÍODO DE FORMAÇÃO DOS ENTES BRASILEIROS
A Velha República é o período entre a Proclamação da República (1889) e a Revolução de 1930. Nessa época, resumidamente, a elite política dominante urbana estava associada à Faculdade de Direito de São Paulo e à maçonaria, ambas com tendências liberais. Por outro lado, existia uma forte oligarquia rural com grande poder econômico. Faoro (1975, p. 501) sintetiza essa fase com a interpretação que o:
[...] liberalismo político casa-se harmoniosamente com a propriedade rural, a ideologia a serviço da emancipação de uma classe da túnica centralizadora que a entorpece. Da imunidade do núcleo agrícola expande-se a reivindicação federalista, empenhada em libertá-lo dos controles estatais.
O documento marcante desse período foi a Constituição de 1891, que iniciava a configuração do aparelho estatal como conhecemos até os dias atuais. Por exemplo, estava definido que o sistema do legislativo seria o bicamaral, dividido entre o Senado e a Câmara dos Deputados. Os estados tinham poder para votar suas próprias constituições; essas esferas, naquele momento, foram dotadas de autonomia legislativa.
Nesse período, para além do texto da lei maior, inicia-se um movimento de concentração do poder nas figuras dos governadores. Minas Gerais e São Paulo, como estados mais populosos, tinham prestígio e privilégio de indicar os principais nomes da política nacional e, principalmente, pautar as leis e ações do legislativo nacional. Os governadores, nessa época, ficavam no meio, entre o presidente da república e os governos locais, capitaneado pelas figuras dos coronéis. (Para saber mais Barões da Federação)
No campo econômico, o Brasil destacava-se pela exportação do café, mas já eram encontrados os primeiros, e ainda frágeis, sinais de industrialização, fomentados principalmente no período da Primeira Guerra Mundial.
No campo da gestão pública, destaca-se a concentração de poder na figura dos governadores (presidentes de estado) e dos coronéis (governantes locais). Tal fato marca o federalismo brasileiro, fazendo com seu nascimento esteja baseado em intenções opostas ao surgimento do federalismo americano, exemplo clássico de governo federalista. Nos Estados Unidos, o federalismo surgiu como uma vontade de instituições locais de se filiar a um poder comum. No Brasil, por sua vez, o federalismo surgiu para dar maior autonomia ao poder central. Segundo Faoro (1975, p. 469), “a carta de 91 seria, para os críticos visto que não exerce comando normativo, apenas a importação extravagante, cópia servil, incapaz de vestir o país novo e estuante de vida”. Os governadores se fortaleceram com essa cópia, pois não interferiram nas decisões federais e atuavam diretamente nas localidades. Isso deu início à denominada política dos governadores. Por sua vez, a união ainda concentrava em seu poder parte importante dos impostos, ficando para os estados somente os relativos à exportação. Tal fato possibilitou o destaque de São Paulo e Minas Gerais no cenário político nacional, iniciando a denominada política do café-com-leite. Os demais estados, fracos em receitas próprias, estavam sob tutela da União.
A denominada Política dos Governadores foi sustentada por uma grande capilaridade nas esferas locais. Isso foi possível graças ao nível de privatização que essa esfera tinha, principalmente na realização da segurança pública. O autor Victor Nunes Leal, em seu livro clássico "Coronelismo, enxada e voto" (1975), demonstra que o local, no Brasil, foi inicialmente demarcado por donos das milícias privadas que realizavam a função de polícia e justiça nas localidades. Esses donos, em troca de benesses políticas e acesso ao poder central, despendiam recursos próprios para a proteção local. Foi o período do coronelismo. Conforme cita Faoro (1975, p. 621)
[...] o coronel recebe seu nome da Guarda Nacional, cujo chefe do regimento municipal investia-se daquele posto, devendo a nomeação recair sobre pessoa socialmente qualificada, em regra detentora de riqueza, à medida que se acentua o teor da classe da sociedade.
Outra característica do coronelismo, conforme cita Faoro (p. 637), é que “o coronel utiliza seus poderes públicos para fins particulares, mistura, não raro, a organização estatal e seu erário com os bens próprios”. Tal aspecto está associado à inexistência de uma divisão entre o espaço público e o privado, conceito nomeado como “patrimonialismo”. O clientelismo e o paternalismo são heranças que marcam a história da formação dos processos da gestão pública até os dias atuais, com alguns sinais de rupturas realizados por dinâmicas mais participativas tomadas por algumas localidades.
Essa estrutura de poder local não foi quebrada por muitos anos, alastrando-se para o denominado “voto de cabresto”, que era a conjugação do poder dos coronéis com a subserviência dos moradores locais. Assim, as primeiras estruturas políticas da Velha República (final do século XIX) foram resultado da coexistência das formas modernas de representação política (o sufrágio universal) e de uma estrutura fundiária arcaica baseada na grande propriedade rural.
A REVOLUÇÃO DE 1930 E GETÚLIO VARGAS: CRISE INTERNACIONAL E INTERVENCIONISMO
A denominada Revolução de 1930 foi resultado da união de alguns estados que estavam fora da liderança política do período do Café-com-leite. Nesse período, chega ao poder o Presidente Getúlio Vargas. O resultado desse período foi a promulgação de duas constituições (Constituição de 1934 e 1937). A tentativa de fundo dessas constituições foi a centralização e o fim do regionalismo existente no período anterior. Na visão do novo presidente, a administração do país tinha de ser única, e não, como ocorria na República Velha, difundida entre os proprietários rurais e os entes estaduais.
O contexto econômico dessa época foi de uma re-estruturação econômica mundial, puxada pela crise da bolsa de Nova York em 1929. Essa crise esfriou a exportação de café, principal produto agrícola brasileiro. Isso motivou o governo Vargas na adoção de medidas protecionistas e intervencionistas na esfera econômica. A onda liberal presente no período anterior encerrou-se. Em substituição, surge a figura de um Estado presente e atuante provocado por regimes totalitários da Europa, chegando a uma tendência de ,governo mais forte e centralizador, na figura de Getúlio Vargas. Como fruto dessa política, Vargas investiu na indústria de base criando, por exemplo, a Companhia Siderúrgica Nacional – CSN, em Volta Redonda.
Com esse investimento na indústria de base e fomento, a industrialização começou a ser possível graças ao crescimento do mercado consumidor, estimulado pelo modo de produção fordista. O primeiro impacto disso foi o crescimento da população urbana a partir da década de 1940, como se constata na ilustração abaixo.
Para estimular essa alteração, o Presidente Getúlio Vargas cria, em 1931, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e implementa a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Foi o primeiro momento da história brasileira que os direitos dos trabalhadores foram alçados ao patamar de lei. Outro benefício importante desse período foi a institucionalização do salário mínimo, que servia de uma remuneração mínima estipulada, referente a um número de horas trabalhadas. Esse é um valor de referência para algumas ações governamentais, além de criar patamares de atendimento para os serviços públicos.

Conforme dissemos, o pensamento desse período foi estimulado por uma ação estatal mais presente. O órgão desse período que congregou essas iniciativas foi o Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP. Segundo NOGUEIRA (1997), esse departamento foi:
[...] revestido de múltiplas atribuições e dotado de grande força e prestígio, o DASP funcionou como órgão de inovação e modernização administrativa, comandando a efetiva organização do aparato público brasileiro. Durante um bom tempo, o DASP atuou como “centro irradiador de influências renovadoras”, peça estratégica de um “sistema racionalizador, no âmbito do Poder Executivo Federal”. Sob seu comando, realizou-se uma “verdadeira revolução administrativa, tal o porte das modificações de estrutura e de funcionamento que se verificaram em nosso serviço público federal” (RAMOS, 1983, p. 346).
Alguns fatos demonstram essa evolução, como a institucionalização e obrigatoriedade dos concursos públicos (alteração presente na constituição de 1934) por conta do aumento do número do funcionalismo público e como tentativa de criar uma burocracia pública profissionalizada.
O resultado desse período, segundo Keinert (1999), foi a criação de uma ciência para a administração pública em troca de um empirismo reinante subsidiado por modernas técnicas administrativas e com a profissionalização dos administradores. Contudo, o ideal de administração pública nesse período, segundo as análises de Keinert, ainda dizem respeito a uma visão estatal, não conseguindo desvincular a imagem do Estado como fonte de poder, em troca da sociedade.
Na época de Getúlio Vargas iniciou-se um período de organização burocrática da administração pública. Segundo Pimenta (1998):
[...] esse modelo clássico de administração pública burocrática predomina até o final dos anos 60, quando foi implantada uma filosofia de descentralização e de delegação de competências, promovendo profundas mudanças na gestão pública, tanto estruturais quanto conceituais
O regime militar: descentralização em tempo de autoritarismo
O governo militar no Brasil ocorreu entre o ano de 1964 e 1985. Essa foi uma fase contraditória, pois restringiu diversos direitos civis e as eleições diretas para presidência da república, mas proporcionou certos avanços do ponto de vista dos marcos legais para a gestão pública.
Do ponto de vistas das políticas públicas, Gentil (2006) cita que:
Em 1966, durante a ditadura militar, o Decreto n° 72 unificou os IAP’s, com exceção do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE). A unificação da legislação, no que diz respeito ao custeio e aos benefícios previdenciários, já havia sido feita em 1960. O que se fez, seis anos depois, foi uma reforma essencialmente política e administrativa, com a fusão das instituições previdenciárias no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), vinculado ao Ministério do Trabalho, responsável, a partir daí, pelos benefícios previdenciários dos trabalhadores urbanos.
A criação do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS foi um marco importante para a política de proteção social e previdência pública, pois foi a culminância de uma série de mudanças iniciadas pela Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS. Essa lei padronizou as contribuições sociais e os planos e benefícios dos diversos institutos existentes evitando legislações específicas e, por vezes, contraditórias.
No campo da gestão pública, Pimenta (1998, p. 184) cita que nos anos 60 “foi implantada uma filosofia de descentralização e de delegação de competências, promovendo profundas mudanças na gestão pública, tanto estruturais quanto conceituais”. Utilizando a filosofia implantada nessa época, o Estado procurou criar movimentos de redução de controles formais e que tinham um alto custo, bem como as centralizações para padronizações. Conforme aponta Pimenta (p. 184), “os princípios da gestão pública dessa época eram: coordenação, descentralização, delegação de competência e controle”.
A lei que mais representou essa filosofia foi o Decreto-Lei 200/1967. Esse decreto distinguia a administração direta e administração indireta. Essa distinção é importante, pois permite espaço para a discussão de atividades tipicamente públicas desenvolvidas no âmbito da administração direta, ou pelas autarquias, quando sua execução exigisse uma gestão administrativa e financeira descentralizada, daquelas atividades que o Estado fosse levado a executar por força de conveniências ou contingências que justificassem a exploração de atividade econômica (PIMENTA, 1998, p. 184).
Nos anos de regime militar (21 no total) existiu uma grande vontade desenvolvimentista, plano que foi auxiliado por um governo autoritário. Nessa época, a postura governamental foi de grande intervencionismo no campo econômico, sendo possível visualizar um novo processo expansionista na administração pública. Contudo, a distinção desse período de expansão para a década de 30, que também ampliou a máquina administrativa pública, foi que nesse período a expansão esteve associada à administração indireta, portanto descentralizada.
O caso contemporâneo brasileiro: democratização versus gerencialismo
A análise do contexto contemporâneo tem seu recorte temporal a partir da Constituição Federal de 1988. Na década de 80, período anterior à constituição, o mundo passou por inúmeras crises econômicas, e o Brasil, inserido nessa dinâmica, optou por tentativas de políticas de estabilização econômica. Tal escolha criou bases para a predominância de uma tendência economicista nas propostas de reformas administrativas, fato contraditório à tendência constitucional. Isso acontece, pois a Constituição normatizou uma série de direitos e garantias do ponto de vista das políticas sociais e, também, para os servidores públicos. Abrúcio (2007, p. 69) destaca três pontos inovadores na Constituição Federal:
- em primeiro lugar, a democratização do Estado, que foi favorecida com o fortalecimento do controle externo da administração pública, com destaque, entre outras mudanças, para o novo papel conferido ao Ministério Público (MP). Neste aspecto está, também, o reforço dos princípios da legalidade e da publicidade;
- a descentralização foi outra demanda construída nos anos de luta contra o autoritarismo e que ganhou enorme relevância na Constituição de 1988. Após 20 anos de centralismo político, financeiro e administrativo, o processo descentralizador abriu oportunidades para maior participação cidadã e para inovações no campo da gestão pública, levando em conta a realidade e as potencialidades locais. Impulsionadas por esta mudança, várias políticas públicas foram reinventadas e disseminadas pelo país;
- propôs-se, ainda, completar a chamada reforma do serviço civil, por meio da profissionalização da burocracia. Nesta linha, houve ações importantes, como o princípio da seleção meritocrática e universal, consubstanciada pelo concurso público. Em consonância com este movimento, o Executivo federal criou, em 1986, a Escola Nacional de Administração Pública (Enap), num esforço de melhorar a capacitação da alta burocracia.
Ocorre que todo o avanço do texto constitucional foi realizado em um período de recessão econômica mundial com o predomínio de uma nova onda liberalizante (neoliberalismo), influenciada pelo Consenso de Washington, que pregava a desregulamentação e a soberania dos mercados frente aos Estados.
Naquela época, a questão da governabilidade assumiu posição de destaque, uma vez que considerou como fator de instabilidade, ou ingovernabilidade, o sistema federativo proposto pela constituição, pois era descentralizado e impreciso na distribuição de competências. Essa incapacidade decorreu, durante meados da década de 90, principalmente do entendimento da incapacidade do Governo Federal levar a termo seus compromissos fiscais e monetários de reajuste econômico. Ou seja, o pêndulo da descentralização voltou a ser guiado pelo interesse da centralidade na União.
O desdobramento desse período pós-constituinte foi a criação do Ministério da Reforma do Estado – MARE, instituição que capitaneou todos os esforços e discursos para uma gestão pública gerencialista, com princípios da new public management.
Essa visão gerencialista está apoiada na crise do modo de produção fordista da sociedade contemporânea e no discurso empreendedorista. No primeiro aspecto, inexistiu durante a década de 80 e 90 a impossibilidade da manutenção das taxas de lucros e receitas que o mundo encontrava anteriormente. Para superar esse modelo, emergiu um novo modo de produção denominado flexível, que combinava taxas variadas de emprego, produção e consumo maximizando os ganhos e investimentos do capital (PAULA, 2005). Grande parte desses discursos gerencialistas foram realizados associados ao contexto de uma teoria japonesa da produção (Toyotismo).
Além da visão flexível, ganha destaque também a visão empreendedora de sociedade. Nessa visão, Paula (2005), nas análises dos principais documentos de apoio ao período gerencialista, aduz que:
[...] a cultura empreendedorista é definida como o conjunto de condições que promovem altos níveis de realização nas atividades econômicas do país, no campo da política e do governo, nas áreas de artes e ciências e também na vida privada (p. 45).
Com base nessas duas visões, acumulação flexível e empreendedorismo, inicia-se um movimento de nome “reinventando o governo”. De uma forma geral, o gerencialismo e o movimento reinventando o governo, segundo Paula (p.56), baseiam-se nas seguintes crenças:
- O progresso social ocorre pelos contínuos aumentos de produtividade econômica;
- A produtividade aumenta principalmente através da aplicação de tecnologias cada vez mais sofisticadas de organização e informação;
- A aplicação das tecnologias se realiza por meio de uma força de trabalho disciplinada segundo o ideal de produtividade;
- O management desempenha um papel crucial no planejamento e na implementação de melhorias necessárias à produtividade;
- Os gerentes têm direito de administrar.
Em suma, a consecução desses princípios levaria em conta que uma sociedade democrática agiria racionalmente pautada por interesses públicos, baseados em técnicas contábeis, econômicas e de administração. Ou seja, era um deslocamento de visões privadas para o domínio da gestão pública.
Esse foi o alicerce para a construção de todo o discurso da reforma gerencial do Estado de 1995. Outros assuntos agregavam o pacote de críticas dos reformadores para engrossar os argumentos da reforma. Contudo, esse é o alicerce.
Certo é que, mais uma vez, assim como as outras reformas da gestão pública (30/45 e 64/85), a dimensão sociopolítica ficou em segundo plano, sobrepujada pelas esferas institucionais-administrativas e econômico-financeira.
A Reforma do Aparelho do Estado, ou reforma gerencial brasileira, pautou no primeiro momento a preocupação de uma redução no tamanho do Estado e a restrição das atividades estatais. Baseado nesses princípios, em 1995, o ex-ministro Bresser-Pereira apresentou o Plano Diretor da Reforma do Estado por meio de uma medida provisória (Medida Provisória n° 19/98). Em suma, a reforma visava, segundo Pimenta (1998, p. 187), “dar maior autonomia de decisão ao gerente público, distanciando-se das tendências autoritárias da burocracia e consolidando a democracia também dentro das organizações públicas e não somente através do voto esporádico da população”. Para alcançar isso, Bresser-Pereira destaca três dimensões da reforma: institucional, gestão e cultural. Segundo Pimenta (p. 188), as três dimensões eram:
A dimensão institucional-legal é composta pelas mudanças necessárias no arcabouço normativo e legal da administração pública; a cultural é baseada na mudança de valores burocráticos para gerenciais; e a dimensão-gestão colocada em prática as novas idéias gerenciais e oferece à sociedade um serviço público efetivamente mais barato, mais bem controlado e com melhor qualidade.
Focando as próximas análises na questão da institucionalidade, a reforma gerencial do Estado teve como linha de atuação a categorização das atividades do Estado em duas frentes: atividades exclusivas do Estado e atividades não-exclusivas do Estado. Paula (1995, p. 126 e 127) oferece explicações para esses diferentes tipos de atividades:
· Atividades exclusivas do Estado – a legislação, a regulação, a fiscalização, o fomento e a formulação de políticas públicas. Estas atividades pertencem ao domínio do núcleo estratégico do Estado, composto pela Presidência da República e os ministérios...
· Atividades não-exclusivas do Estado – serviços de caráter competitivo e atividades auxiliares de apoio. Nos serviços de caráter competitivo estão os serviços sociais (saúde, educação, assistência social) e científicos, que seriam prestados pela iniciativa privada quanto pelas organizações sociais, que integram o setor público não-estatal.
O impacto disso foi uma estruturação que Bresser-Pereira (1998) apresenta da seguinte forma:
Essas estruturas criaram uma maior capilaridade do que atualmente se entende por administração pública, passando a agregar em seu contexto, também, as denominadas “Organizações Sociais”, “Agências reguladoras” e “Agências executivas”.
As Organizações Sociais, instituições buscavam, no discurso teórico, a accontabilitty governamental e a flexibilização da gestão pública como tentativa para a desburocratização. A relação entre o Estado e uma entidade se inicia a partir de um contrato de gestão que parametriza os níveis qualitativos e quantitativos dos serviços prestados pelas OSs. Nesses contratos, segundo Sano e Abrucio (2008, p. 66), as OSs tinham algumas peculiaridades: “seriam instituições de direito privado, habilitadas a celebrar contratos de gestão com o Estado, e, em tese, deveriam ampliar os mecanismos de transparência e accountability”. Contudo, a crítica desses autores, assim como a de outros (REZENDE, 2008; SCHMIDT, 2008), demonstra que a dimensão do controle difuso é o grande dilema para ser resolvido nesse repasse do serviço público.
É um tipo de Administração Indireta.As agências reguladoras fazem parte do processo de desconcentração de serviços públicos cuja finalidade é fiscalizar um determinado serviço de interesse público. Entre esses setores, podemos citar: telecomunicações, cadeia produtiva do petróleo, energia elétrica, recursos hídricos, entre outras. As agências reguladores se configuram como uma autarquia especial federal. São exemplos de agências reguladoras Anatel, Aneel, Ancine, ANAC, Antaq, ANTT, entre outras.
Apontamentos finais
Durante muito tempo, a gestão pública brasileira foi acusada de precária por conta de seu caráter patrimonialista e de sua resistência à mudança. Conforme Nogueira (1997, p. 6) aponta, “era como se se constatasse a existência de descompassos e desajustes no coração mesmo do Estado, opondo Governo e aparato administrativo e comprometendo toda a performance governamental”. O Estado acabou vencendo a batalha de sua estabilização e existência, com certo custo, é verdade. O localismo marcado pela distribuição de terras do empreendimento colonial e o seu privatismo dispensou, durante muito tempo, a exigência de organizações mais estruturadas para os serviços públicos.
Isso somente foi rompido na década de 30 do século passado, período em que durante um governo forte buscou-se alternativas e caminhos burocráticos para a condução do rumo do Estado.
Trinta anos mais tarde, na década de 60, o Estado passa novamente por reformas. Esse fato ocorre novamente durante um governo forte (dessa vez, ainda mais autoritário), fato que questiona ações construídas socialmente.
Depois de outros 30 anos, uma nova reforma administrativa ocorreu no contexto do Estado brasileiro. Dessa vez, uma reforma sob o contexto democrático, mas ainda com a presença de um governo forte (primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso).
Passados dez anos da última reforma, os tempos mudaram. O liberalismo em voga daquele período já demonstra seus limites. Ao Estado volta a responsabilidade de cuidar dos bens e serviços públicos, só que, dessa vez, com uma fragmentação maior.
Para a gestão pública, permanece o desafio de romper com o afastamento da sociedade pelo Estado. Ou seja, deve encontrar meios de encerrar o ciclo de constrangimento e deformação da múltipla expressão do povo nos seus modos de ser. Precisam encontrar maneiras de permitir que a população tenha acesso ao poder a partir de uma evolução compartilhada (cf. RIBEIRO, 1995).
Referências bibliográficas:
- ABRUCIO, Luis Fernando. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas. Revista de Administração Pública: Rio de Janeiro: [s.l.] (Edição Especial Comemorativa 67-69, 1967-2007).
- BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos. Reforma do estado para a cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. Brasília: ENAP/Editora 34, 1998. (Um artigo com conteúdo próximo pode ser encontrado em Reflexões sobre a reforma gerencial de 1995)
- FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro: 2. ed. São Paulo: Globo/Editora da Universidade de São Paulo, v. 2, 1975.
- LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975.
- GENTIL, Denise Lobato. A política fiscal e a falsa crise da seguridade social brasileira: análise financeira do período 1990–2005. 2006, 245f . Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2006.
- KEINERT, Tânia Margarete Mezzomo. Administração pública no Brasil: crises e mudanças de paradigmas. São Paulo: Annablume, 2000.
- NOGUEIRA, Marco Aurélio. A crise da gestão pública: do reformismo quantitativo a um caminho qualitativo de reforma do estado. São Paulo: Cadernos Fundap. São Paulo, v. 7, n. 21, p. 6-25, 1997.
- PAULA, Ana Paula Paes. Por uma nova gestão pública. 2.ed. São Paulo: FGV, 2008
- PIMENTA, Carlos César. A reforma gerencial do estado brasileiro no contexto das grandes tendências mundiais. Revista de Administração Pública. São Paulo: FGV, v. 32, n. 5, p. 7 a 23, set/out, 1998.
- REZENDE, Flavio da Cunha. O ajuste gerencial e seus limites: a falha seqüencial em perspectiva comparada. Revista de Sociologia e Política: Curitiba: [s.l.]. v. 16, suppl. 0, Agosto, 2008.
- RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
- SANO, Hinoboru. ABRUCIO, Fernando. Promessas e resultados da nova gestão pública no Brasil: o caso das organizações sociais de saúde em São Paulo. Revista de Administração de Empresas: São Paulo: FGV, v. 48, n. 3, p. 64-80, 2008.
- SCHMIDT, Vera Viviane. Organizações sociais: o ciclo de uma política de reforma administrativa em São Paulo. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS INTEGRADAS, 2008, SÃO BERNARDO DO CAMPO. Anais do SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS INTEGRADAS. São Bernardo do Campo: Editora Metodista, 2008. ISBN 9788578140267.
[1] Segundo Paula (2005, p. 113), o Consenso esteve baseado em 10 medidas: “O ajuste estrutural do déficit público, a redução do tamanho do Estado, a privatização das estatais, a abertura do comércio internacional, o fim das restrições ao capital externo, a abertura financeira às instituições internacionais, a desregulamentação da economia, a reestruturação do sistema previdenciário, o investimento em infra-estrutura básica e a fiscalização de gastos públicos”.
[2] Mais informações sobre a Reforma Gerencial de 1995 podem ser encontradas em http://www.reformadagestaopublica.org.br/
[3] No âmbito federal, as OSs foram criadas por meio da Medida Provisória nº 1.591, de 9 de outubro de 1997, que posteriormente foi regulamentada na forma da Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998.
Muito bom, adorei seu site, faço Pós em Administração Pública Municipal a Distância na UFF, estou no módulo de Desenvolvimento e Mudança no Estado Brasileiro e estou adorando ler suas postagens... Obrigada Samantha
ResponderExcluirMuito obrigado, Samantha. Receber comentários assim, me motivam a continuar.
ExcluirAbraços.
Prezado Anderson,
ResponderExcluirSeus textos são excelentes, parabéns também sou um estudioso do tema Gestão Pública.
Legal, Amigo. Volte sempre e dê mais e outros retornos sobre sua leituras.
ExcluirAbraços, Anderson
Excelente e atual.
ResponderExcluirOlÁ!!! Muito interessante!!! Vi que me citas, aí, legal!!! Qual a tua área, Renato?
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