Rede e o Fórum Nacional do Direito da Criança e Adolescente: organizações e a articulação social nas políticas públicas para a infância


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Introdução:

O processo de redemocratização no Brasil, durante a década de 1980, valorizou os movimentos organizados da sociedade agregados no contexto da denominada sociedade civil. Foram muitas as formas assumidas por eles, desde comunidades não formais, até organizações formalizadas de acordo com os critérios burocráticos nacionais. Todavia, para o aproveitamento dos espaços de decisão compartilhada[1] foi necessário uma alteração no perfil dessas iniciativas sociais. Os parâmetros legais criados à época[2] determinavam que tais espaços poderiam ser ocupados por entidades representativas em cada área temática. Isso determina a relação entre Estado e sociedade até hoje.
Existia uma premissa nesse processo. Esperava-se uma ação crescente e escalonada da participação. O processo iniciaria no contexto comunitário a partir de queixas comuns sobre aspectos inexistentes que impediam uma qualidade de vida local e as crenças compartilhadas em torno de necessidades de distribuição de recursos e/ou serviços públicos. Disso encadearia o sentimento de pertencimento do indivíduo em uma comunidade e consequentemente resultaria na sua associação em um movimento social. Esse movimento organizado criaria uma relação com o Estado, pois apresentaria a demanda dos cidadãos coletivamente organizados. A partir desse processo espraiar-se-iam ações participativas para outros âmbitos da vida cotidiana do cidadão. A consequência seria a democratização em outras esferas do mundo da vida e instituições.
Em suma, a democracia era retomada na década de 80 e foi resignificada na teoria e na prática em sua dimensão valorativa e ética, ou como um valor universal capaz de cultivar uma sociabilidade justa e igualitária (COUTINHO, 1984).
O movimento social em prol da valorização da infância e da adolescência também bebeu dessa fonte. Nessa área essa discussão se ampliou na medida em que as práticas democráticas poderiam forjar cidadãos infantis em uma racionalidade democrática desde os primeiros anos de suas vidas, alterando o quadro de exclusão social vivido no país e retirando da invisibilidade alguns direitos que deveriam ser garantidos (COSTA et. al., 1990). Conforme apontado por Botelho (1993) por intermédio dessa mobilização social seria possível a entrada do país na civilização e sua saída da barbárie, principalmente na preservação da infância e na garantia de um projeto de futuro.
Injetando forças a esse movimento em nível nacional, surge a denominada Convenção Internacional pelo Direito da Criança[3] da qual o Brasil foi signatário. Esse documento foi assinado na Assembléia da Organização das Nações Unidas ONU, em 1989, e oficializado no ano seguinte como lei internacional. Vale ressaltar que cronologicamente tal assinatura ocorreu concomitante com a promulgação da nova constituição brasileira, bem como serviu de base para a lei nacional de proteção e garantia do direito de crianças e adolescentes, denominado Estatuto da Criança e do Adolescente ECA (Lei 8.069/90). Essa lei foi um dos resultados da organização dos movimentos da sociedade e das entidades representativas mobilizadas em uma grande rede, denominada Fórum Nacional do Direito da Criança e do Adolescente Fórum DCA.
Entretanto, a área da infância e adolescência no Brasil padece de uma definição mais precisa do que é o papel do Estado, como ente responsabilizado pelo serviço a ser prestado para a parcela infantil da sociedade, fato que dificulta a conceituação de um sistema e do interesse público na formação dessa área (FALEIROS, 2009). Tradicionalmente ela foi deixada e delegada para organizações da sociedade civil sob o título de benemerência e filantropia e isso amplia a disputa pelos recursos públicos e estatais (NASCIMENTO; ZUQUIM, 2010). Esse aspecto dificulta a definição do que significa um movimento social fundamentado no processo escalonado que foi descrito anteriormente, já que em muitos casos as organizações estão voltadas para uma prestação de serviço e mobilização dos seus recursos de sustentabilidade. Nessa visão elementos relacionados com a manutenção das organizações ganham maior prestígio do que a criação de uma sistemática participativa desde a comunidade.
O presente artigo reflete sobre essa realidade do contexto da participação social na política pública da infância e adolescência e a partir de conceitos relacionados ao movimento social. Especialmente, quando se debruça sobre a formação e desenvolvimento do denominado Fórum Nacional do Direito da Criança e do Adolescente questionando se ele pode ser denominado uma rede de movimentos sociais nos dias atuais de acordo com o arcabouço teórico discutido. Essa instituição foi basilar para a constituição da relação entre sociedade e Estado no campo da política para a infância e adolescência no período pós-democratização, porém ainda vivencia marcas de um passado presente.
O artigo está dividido em quatro sessões, além dessa introdução. Inicialmente apresentamos uma breve incursão sobre o conceito de movimento social e rede de movimento. O objetivo é buscar uma atualização das teorias sobre movimentos em vistas a uma melhor conceituação aplicável para hoje em dia. Em seguida, tratamos sobre a formação do campo de prestação de serviços para as crianças e adolescentes. Demonstramos que a existência de organizações associadas a igreja católica predominou na área e demarca o campo. Isso determina a maneira como o Fórum Nacional do Direito da Criança e do Adolescente - Fórum DCA - se configura até os dias atuais. Em seguida apresenta-se o histórico da formação do Fórum DCA aplicando os conceitos analisados e a partir de pesquisas realizadas tanto no web site do Fórum quanto nos das instituições que o compõem para compreender sua configuração atual.
As conclusões do estudo apontam que o Fórum DCA encontra limites a partir da maneira como se institucionalizou, estando muito mais voltado para a reprodução de sua institucionalidade do que ampliando a mobilização da sociedade em prol da infância e adolescência. Os indicadores levantados para essa análise se valem da teoria de rede (MELUCCI, 2003; DIANI, 2003) na medida em que buscam nela variáveis para sua explicação. São elas: a auto-declaração, o conflito e a informalidade. A auto-declaração não ocorre no objeto analisado, pois os participantes institucionalmente não se declaram participantes da rede. No caso da segunda variável ocorreu a fragmentação do objeto de conflito que mobilizou as organizações durante a década de 80 para a formação da rede. Por fim, quanto a informalidade questiona-se os procedimentos imformacionais já que dotou-se um canal de interlocução da sociedade civil com o espaço participativo constituído.
Todavia, o Fórum DCA teve, e ainda tem, uma papel fundamental na constituição do campo participativo e como representação da sociedade. Os limites apresentados são fruto da constituição do campo e da tradicional relação entre sociedade e Estado. Esses limites são tomados como aspectos a serem enfrentados, mas não uma desqualificação do que foi conquistado.



[1] Os Conselhos de Políticas Públicas foram os espaços criados para a sociedade civil participar da decisão sobre a ação do Estado. Neles governo e sociedade civil estão representados e influenciam, consultivamente ou deliberativamente, as políticas públicas.  Os Conselhos estão divididos de acordo com políticas setoriais (saúde, assistência social, etc), políticas de direitos (criança e adolescente, idosos, etc) e temáticos (igualdade racial, direitos humanos, etc.).
[2] Exemplos: Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90), Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/93).

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