Íntegra da entrevista concedida para o Portal Aprendiz UOL sobre a democracia participativa
Pergunta 1. Como você enxerga as formas de participação popular
existentes no Brasil? Quais são seus acertos e seus defeitos?
Respostas: As formas de participação popular no Brasil, dentre elas
Conselhos e Conferências de Políticas Públicas, foram um importante avanço
democrático e devem ser sempre valorizadas. É claro que ainda apresentam
problemas, por aspectos relacionados à formação cultural, à representação e ao
desenvolvimento organizacional dessas estruturas dentro do Estado. Quanto à
cultura, dentre outras coisas, ainda carecemos de definições sobre o que é o
público e o privado e isso também afeta esses espaços participativos. Já quanto
à representação, os participantes desses espaços não podem ser considerados
representantes plenos da sociedade e, com isso, eles têm limitações em relação
ao reconhecimento que a sociedade tem sobre eles. Por fim, quanto ao
desenvolvimento organizacional ainda carecemos de um desenho de Estado que
mobilize e assimile as decisões dessas instâncias. Apesar desses aspectos
problemáticos, as instâncias participativas têm sido canais virtuosos de
formulação de políticas inovadoras, bem como no reconhecimento de direitos de
parcelas da sociedade que antes não podiam ser ouvidas e respeitadas. Além
disso, o aspecto quantitativo representa um importante passo para novas
relações entre sociedade e Estado, afinal Conselhos e Conferências são
estruturas que se replicam nos diferentes níveis federados e envolvem um grande
número de pessoas.
Pergunta 2. Quais modificações são possíveis para expandi-los e
torná-los mais efetivos? Como dar poder de decisão a essas esferas públicas?
Resposta: A expansão das instâncias participativas pode ser buscada
por um claro incentivo aos entes federados que demonstrem o bom uso dessas
instâncias. Isso tem uma ligação com a questão da efetividade. Explico. Seria
importante a criação de um modelo de política que contemple a democracia
participativa como um momento de aprovação e deliberação das ações em relação
ao repasse de verbas federais, por exemplo. Os estados e municípios que
alcançarem boas práticas e indicadores no quesito participação social recebem
uma premiação por esse cuidado. Além disso, seria necessário fomentar
estruturas para o monitoramento dessas instâncias, uma espécie de “tribunal de
contas”, mas dessa vez voltado para monitorar as estruturas da participação
social. A vinculação das instâncias de participação social na estrutura de
planejamento e execução da política pública é uma forma possível para torná-las
mais efetiva.
Pergunta 3. Que novas formas de participação popular podem ser
adotadas? Existem exemplos internacionais de mudanças na democracia para
aumentar a participação dos cidadãos?
Resposta: Como disse, Conselho e Conferências são um grande avanço.
Mas, elas não são as únicas formas de participação, nem podemos nos limitar
nelas. É necessário inventar, criar. Para isso, o problema da escala da decisão
é um aspecto que altera o interesse das pessoas envolvidas. É preciso aproximar
a decisão dos próprios usuários da política. Assim, todo o momento de prestação
de serviço público é um momento de participação social também. Experiências de
um constante diálogo entre sociedade e Estado se repetem em alguns lugares do
mundo (Inglaterra, Itália). São formatos que inovam, pois permitem a
transformação do Estado e possibilitam que a sociedade se aproprie dos seus
direitos. No Brasil tivemos na década de 90 um período de inovações que se
valiam dessa formula de proximidade, já que estavam associadas à maneira de
prestação de serviços nos municípios. Hoje estamos freados nesse sentido, pois
boa parte das políticas já estão modeladas com pouco espaço para a inovação. É
importante valorizar esse processo novamente.
Pergunta 4. A internet e os avanços tecnológicos revolucionaram a
maneira como as pessoas se comunicam. A internet pode ser o novo espaço
principal do diálogo entre governo e sociedade?
Resposta: As relações sociais hoje em dia passam pela internet. Ela
não é o único meio, mas não pode ser desconsiderada. Logo, o governo precisa se
abrir para esse canal de comunicação. Alguns passos são importantes: Primeiro,
a transparência que deve ser sempre uma meta e a internet ajuda muito nisso.
Segundo, a tradução que é a necessidade de o governo tornar inteligível os seus
dados para o cidadão. Por fim, a publicização que é o ato de buscar que todos
os atos de governo sejam públicos. Mas, a sociedade também pode utilizar a
internet como fonte para as iniciativas de cobranças do governo. Experiências
de controle sobre os gastos governamentais, das iniciativas legislativas e das
opiniões sobre melhorias são formas já conhecidas e que podem dar bons
resultados. Outras formas podem ser arriscadas.
Pergunta 5. Nesse sentido, o professor da FGV Pedro Abramovay fez
uma sugestão: discussão colaborativa de projetos de lei pela internet,
argumentando que o processo legislativo poderia ser formalmente interrompido e
disponibilizado na internet para os cidadãos comentarem e debaterem por 30 dias
antes de ser votado. O que você acha da idéia?
Resposta: A ideia da internet como um meio de consenso tem um grande
potencial. Ao meu ver esse pode ser um instrumento mais interessante do que
votações por internet, por exemplo. Todavia, duas coisas devem ser ponderadas:
1) cada projeto de lei deverá mobilizar as pessoas que têm interesse no
assunto, assim a participação poderá ser de pessoas especialistas e/ou
interessadas. 2) O acesso da internet ainda precisa ser ampliado para permitir
que segmentos sociais excluídos possam participar. Se esses pontos forem
corrigidos, entendo que seria possível uma participação e um consenso por meio
da internet. Se não, corremos o risco de potencializar um canal excludente que
só cria meios para aqueles que já influenciam.
Pergunta 6. Em uma democracia, qual a relação entre participação
popular e educação da sociedade?
Resposta: Essa pergunta é muito ampla, mas arrisco a dizer que o
mais importante dos canais de participação popular é fazer com que as pessoas
compreendam que ela pode influenciar na maneira como as coisas são feitas e
isso terá impacto em outros níveis da vida, desde a sua própria comunidade.
Esse é o ponto de ligação entre participação e educação, pois permite ver o
mundo como algo a ser construído, não como algo dado e pronto que temos que nos
adaptar. Mas, permite enxergar o mundo e a vida como um processo em que todos
podem “ser protagonistas da suas próprias histórias”, como diria Paulo Freire.
7. Na proposta do governo para o plebiscito não é citada nenhuma
mudança nos modelos de participação popular já existentes. Você acha que isso
deveria ser incluso? Ou há outras maneiras de transformação da participação?
Resposta: Entendo que uma boa Reforma Política restrita as
instituições representativas impactaria em alterações também quanto à
democracia participativa. Isso porque a noção de participação se ampliaria e o
voto seria mais um momento para essa participação. Mas, além da reforma
política, acho que teríamos que ousar e criar uma reforma para um Estado
Participativo, pois assim representação e participação seriam polos do mesmo
processo.
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