Políticas Públicas para a Proteção Social: uma análise da tipologia e de teorias interpretativas.

Citação: NASCIMENTO, Anderson Rafael . Políticas Públicas para a Proteção Social: uma análise da tipologia e de teorias interpretativas. In: ALVES, Luiz Roberto. (Org.). Políticas Públicas para a Proteção Social: uma análise da tipologia e de teorias interpretativas. 1 ed. São Bernardo do Campo: Editora Metodista, 2008, v. 1, p. 31-38



1) Resumo

A conceituação do que se entende por proteção social e política pública social não ocorre descolada do que se entende por Estado de Bem-Estar Social. Esse tipo de Estado refere-se a uma situação específica e demarcada historicamente no período pós-segunda guerra. O objetivo desse capítulo será examinar as políticas de proteção social a partir de correntes teóricas que interpretam seu nascimento (ARRETCHE, 1995; MARQUES, 1997) e de uma tipologia proposta por Esping-Andersen (1995).  Nas correntes teóricas que interpretam o nascimento do Estado de Bem-Estar Social duas se destacam, a primeira de autores que apontam elementos econômicos como central nesse nascimento e outros que determinam os aspectos políticos como fruto da formação. Já Esping-Andersen (1995) divide em três tipos de Estado de Bem-Estar Social em sua tipologia: o modelo liberal, no qual os direitos sociais não são tão ligados ao desempenho no trabalho, mas associado à comprovação da necessidade. O modelo Bismarkiano que adota a previdência social estatal e compulsória como base para direitos bastante amplos. E, por fim, o modelo Beveridge que oferece benefícios básicos e iguais para todos, independente de ganhos, contribuições ou atuação anterior no mercado.

2) Palavras-chave

Políticas públicas, proteção social, Política Social, Estado de Bem-Estar Social,

3) Introdução ao tema e aos objetivos de formação

Existe uma associação entre a política social e a proteção social, uma vez que a primeira é um meio para alcançar a segunda. A Proteção Social, segundo Viana e Levcovitz (2005, p. 17)

consiste na ação coletiva de proteger indivíduos contra riscos inerentes à vida humana e/ou assistir necessidades geradas em diferentes momentos históricos e relacionados com múltiplas situações de dependência

A proteção social tem por objetivo minimizar, ou até finalizar, os impactos dos riscos e das vulnerabilidades sobre os indivíduos e a sociedade. A doença, a velhice, a invalidez, o desemprego e a exclusão por conta de fatores como renda, raça, gênero, etnia, cultura, etc. (Viana e Levcovitz, 2005) são exemplos de riscos atacados pela proteção social.
Estabelecido o conceito e a delimitação da ação de proteção, percebemos que a relação entre o individual e o coletivo é um aspecto determinante para a definição “de quem” e “para que” serve a proteção social. Dessa forma, a política pública, retratada aqui como as ações de proteção social, deve ser sempre uma decisão pautada pelo interesse de uma coletividade. O interesse da coletividade não é de simples delimitação.
Por outro lado, um conceito central, nessa definição do objetivo das políticas, é a solidariedade. O custo econômico, pensando nos aspectos mais aparentes, de quaisquer políticas recai sobre um determinado grupo, que arca com a assistência dos outros, mais vulneráveis. Um exemplo disso pode ser a política de previdência social, que dentro da lógica inter-geracional, que explicaremos mais à frente, os trabalhadores atuais bancam os trabalhadores do passado. Dessa forma, o grupo que paga tem um limite no interesse em bancar os outros que recebem. Portanto, em alguns casos e para alguns modelos atuais, os pagantes podem delimitar seu poder de interferência (lobbies) em determinadas políticas. Isso sempre foi, e ainda é, uma questão chave para as políticas públicas e a gestão governamental contemporânea.
As políticas sociais, como meio da proteção social, são as atribuições de direitos e deveres legais dos cidadãos. Essas atribuições são definidas politicamente pelos processos decisórios, retratados pela disputas dos grupos de interesses, que criam os marcos legais para pautar as ações do Estado. Essas políticas podem acontecer por meio de ações de transferências de renda ou da prestação de serviços públicos, com o intuito da diminuição dos riscos e vulnerabilidades. Essas ações ou transferências ocorrem para pessoas que gozam de um determinado direito - padrão mínimo de qualidade de vida e que não podem acessar isso por seus meios próprios e individuais. Duas correntes teóricas interpretam as tendências das políticas sociais: a liberal que é mais individualista e a contratualista, que é baseada na lógica coletiva. Para o liberalismo, o indivíduo é mais real que a sociedade e a precede (cf. Vicent, 1995). Na visão liberal, o fato de uma pessoa ter seu valor igual na individualidade gera as bases para o igualitarismo. A visão contratualista enxerga que por meio de uma ação de representação e consenso é possível “achar uma forma de sociedade que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada sócio, e pela qual, unindo-se cada um a todos, não obedeça, todavia senão a si mesmo e fique tão livre como antes” (ROUSSEAU, 2004, p. 31).
O Estado de Bem-Estar Social refere-se a um tipo específico e demarcado historicamente de intervenção estatal nas ações em prol de uma política social. Esse padrão inicia-se na Europa no pós-guerra e segundo Viana e Levcovitz (2005, p. 21) “configura uma etapa específica de desenvolvimento capitalista, quando o papel do Estado se alastra para diferentes campos e ganha importância nas decisões políticas, atores como a burocracia governamental, os sindicatos e a grande corporação”. Em outras palavras, o Estado de Bem-Estar Social surge pelo exercício da governança entre os diferentes setores sociais: primeiro setor, representado pela burocracia estatal; segundo setor, representado pela grande corporação e pelo interesse do capital; e, terceiro setor, representado pelo sindicato, mas que se amplia atualmente pelas diferentes setores da sociedade organizada.
O objetivo desse capítulo será examinar as políticas de proteção social a partir de correntes teóricas que interpretam seu nascimento (ARRETCHE, 1995; MARQUES, 1997) e de uma tipologia proposta por Esping-Andersen (1995). Ao estudante no final desse módulo será possível conhecer as condições para uma leitura das relações e disputas que se estabelecem na formação de uma política pública. Importante delimitar que essa leitura será feita a partir das políticas chamadas de proteção social.

4) Discussão do tema

4.1) Estado de Bem-Estar Social: modelos de Estados que promovem a proteção social

No capítulo/material 01 argumentou-se que as políticas de proteção social aumentam o valor do trabalho, uma vez que possibilitam um resguardo de alguns benefícios aos que optam por vender sua força de trabalho no mercado. O trabalho, entendido em seu sentido mais ampliado, exerce função central para essa formação uma vez que alterou substancialmente a relação do homem com seu tempo e seu espaço. No período pós-segunda grande guerra ocorre um aumento do emprego e os ganhos da produtividade passam a ser incorporados nos salários e, principalmente, a visão keynesiana permite e legitima a interferência da ação estatal no campo da proteção individual e dos grupos vulneráveis.
As políticas públicas, principalmente as de proteção social, aumentam o poder do trabalho frente ao capital na relação de mercado. Isso está aqui denominado como “direitos de desmercadorização” e será um eixo central de análise das políticas de proteção social e na tipologia dos Estados de Bem-Estar Social.
A sociedade salarial (CASTEL, 1998) vingou também graças a essa série de relações entre as políticas de proteção social e a condição de assalariamento. Caso o trabalho ficasse à mercê unicamente da exploração capitalista poderia ocorrer movimentos ainda mais reivindicatórios chegando inclusive ao limite da violência física. Isso ocorre porque o crescimento da classe proletária tornou-a mais numerosa e, portanto, determinaria caminhos através da ação direta ou pelas vias eleitorais. A ampliação das políticas de proteção social fez, dessa forma, com que os movimentos sociais não ultrapassassem os limites desejados pelo capital e motivaram uma força de inibição dos trabalhadores frente ao trabalho forçado, uma espécie de docilização dos trabalhadores. Assim, as políticas de proteção social funcionaram ao modo de produção fordista já que fixou o trabalhador na fábrica, viabilizou a produção em massa e gerou certa previsibilidade na relação entre o capital e o trabalho (MARQUES, 1997).
Assim, a docilização dos trabalhadores e o consumo em massa só foram, e ainda são, possíveis quando o salário, recebido pelo trabalho, se torna mais interessante do que a mendicância, o roubo ou mesmo a sobrevivência por meios institucionais. Desta maneira, os riscos básicos associados ao trabalho precisam ser cobertos e foram a partir desses que os sistemas de proteção criaram seu alicerce. São eles: o acidente de trabalho, a velhice e a invalidez para o trabalho.
Com base nesses riscos, podemos delimitar uma primeira fase da evolução dos Estados de Bem-Estar Social. Nessa fase, esses riscos estão em um primeiro momento associados aos trabalhadores urbanos e utilizam-se fontes de recursos divididos entre os empregados e os empregadores. Aqui nesse primeiro modelo, o ofício era determinante para o nível das políticas de proteção social (enfoque corporativo).
A segunda fase iniciou quando o modo de produção fordista tornou-se hegemônico. As características dessa segunda fase são a ampliação contínua para os novos segmentos populacionais (enfoque cidadão) e a incorporação de novos riscos como objeto de ação dos Estados de Bem-Estar Social. Nesse período, institui-se o conceito e a prática da solidariedade inter-geracional. Para esse tipo de lógica o sistema de proteção é estruturado de forma que os trabalhadores que estão atualmente no mercado de trabalho arcam com o custo do sistema para os trabalhadores do passado, os novos bancam os velhos.
Outra característica dessa segunda fase é a inclusão de outras políticas sociais como, por exemplo, a inclusão da habitação, das políticas de cuidado para as crianças e o seguro desemprego. Essa inclusão está associada à “Era de Ouro” (HOBSBAWM, 2002) graças ao crescimento econômico e a ampliação do assalariamento em todas as esferas.
Apesar da ampliação do assalariamento e das políticas sociais, um aspecto é determinante e marca essas políticas até os dias atuais. Isto decorre do fato de que a população assistida por essas políticas é composto de cidadãos excluídos da sociedade salarial. Isso faz com que as políticas do Estado de Bem-Estar social tenham um forte caráter assistencialista até os dias atuais.
A seguir serão conhecidas as teorias explicativas da formação dos Estados de Bem-Estar Social e uma tipologia para sua análise. Essa leitura permitirá aos alunos conhecer elementos que são determinantes para a formação das políticas públicas como um campo de disputa da governança local.

4.2) Correntes teóricas sobre o surgimento do Estado de Bem-Estar Social: fatores econômicos ou políticos como determinante das políticas públicas

Conforme dito no capítulo/material passado, a formação do sistema de proteção social é alimentado pela cultura e pelos aspectos econômicos de cada localidade. Uma leitura mais alargada desses modelos de Estado permite constatar que uma conjugação de aspectos econômicos e políticos (ora com predominância dos econômicos, ora dos políticos e vice-versa) determinaram a formação dos Estados de Bem-Estar Social ou de Proteção Social.
Arretche (1995) divide os autores em duas correntes: os que atribuem aos aspectos políticos função central na formação dos Estados de Bem-Estar Social e os que determinam como central para a formação desses Estados, os aspectos econômicos. Existem duas correntes de pensamento para os autores que atribuem aos aspectos econômicos uma função principal. Os autores da primeira corrente compreendem o Estado de Bem-Estar Social como uma necessidade que surge juntamente com as mudanças provocadas pela industrialização nas sociedades e, principalmente, pelo modo de produção fordista. Sistematiza-se as idéias dos principais autores dessa corrente no quadro a seguir.

Quadro 1 - Autores que compreendem o Estado de Bem-Estar Social  como fruto da industrialização*
Harold Wilensky
Para o autor, segundo Marques (1997, p. 23), "na medida em que a industrialização altera radicalmente a vida familiar, concebendo novos papéis para seus integrantes e diminuindo sua capacidade de determinar a reprodução da força de trabalho, os programas sociais passam a ser construídos, constituindo em elementos chave da promoção da coesão e integração social”. Nessa visão, esses programas sociais só puderam ser criados e evoluíram, dada a produção do excedente financeiro, gerado e acumulado, pelo processo de industrialização. Contudo, esse autor considera o elemento cultural na formação do desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social seria praticamente determinado por fatores culturais fato que explicara as diferenças entre os países.
Richard Titmus
O autor "atribui à crescente divisão do trabalho, propiciada pela industrialização, as causas da ampliação dos programas sociais" (MARQUES, 1997, p. 24)
Para Arretche (1995) essa é uma leitura que tem por base a idéia de que "o homem se tornaria mais socialmente dependente na medida em que se tornasse mais individualizado e mais especializado" (p.10).
Thomas H. Mashall
Esse autor, apesar de enquadrado dentro dessa primeira corrente, tem uma visão diferenciada. Para ele, tanto a origem como o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social devem ser atribuídos à evolução lógica e natural da própria ordem social decorrente da industrialização (MARQUES, 1997).
* Elaboração própria com dados do texto de Arretche (1995) e Marques (1997)

Para esses autores, como explica Arretche (1995) não existe espaço para as dimensões políticas como determinantes das constituições dos Estados de Bem-Estar Social.
Outra corrente associada à visão dos aspectos econômicos, segundo Arretche (1995), visualiza os determinantes para a formação do Estado de Bem-Estar Social como resposta às demandas de acumulação e legitimação do sistema capitalista.

Quadro 2 - Autores que entendem o Estado de Bem-Estar Social como respostas à acumulação do sistema capitalista*
James O´Connor
O Estado capitalista tem que enfrentar duas funções clássicas e contraditórias: acumulação e legitimação. Isto quer dizer que o Estado deve tentar manter, ou criar, as condições em que se faça possível um maior lucro pela acumulação do capital. Entretanto, o Estado também deve manter ou criar condições de harmonia social. Um estado capitalista que empregue abertamente sua força de coação para ajudar uma classe em detrimento de outra perde sua legitimidade. Porém, um estado que ignore a função de acumulação do capital arrisca-se a dissecar seu próprio poder.
Claus Offe
Segundo Marques (1997, p. 25) o autor “enfatiza o papel desempenhado pelo Estado de Bem-estar Social no suprimento das necessidades no interior das sociedades capitalistas avançadas”. No seu entendimento, não só a destruição das formas anteriores de vida exigiam que o Estado passasse a se preocupar em garantir a cobertura das necessidades básicas, como seria inerente ao desenvolvimento capitalista a geração de novas necessidades, tal como a permanente qualificação da força de trabalho. Em outras palavras, o Estado de Bem-Estar Social "representa formas de compensação, um preço a ser pago pelo desenvolvimento industrial" (ARRETCHE, 1995, p.16).
* Elaboração própria com dados do texto de Arretche (1995) e Marques (1997)


Como foi demonstrado uma segunda corrente teórica encontra nos aspectos políticos o elemento central para a formação dos Estados de Bem-Estar Social. Entre esses autores, Arretche (1995) divide suas analises em três categorias. Os primeiros autores consideram o Estado de Bem-Estar Social como resultado da ampliação progressiva de direitos. Para esses autores existe uma contínuo de evolução e conseqüência lógica e acumulativa dos direitos, sendo os primeiros denominados como direitos civis que abrem precedentes para os políticos e acarretam nos sociais.


Quadro 3 - Autores que teorizam a evolução dos direitos
Thomas H. Mashall  In: Cidadania, classe, social e status.
Esse autor entende o conceito de cidadania a partir de uma evolução – Direitos civis influenciam os políticos, que por sua vez, alimentam os sociais. Portanto, Marques (1997, p. 25) considera que "na medida em que o continuum (evolução) - de direitos civis para políticos e de direito políticos para sociais - constitui-se como parte integrante do próprio construir do conceito de cidadania na sociedade capitalista, os programas sociais de responsabilidade do estado expressariam o auge desse processo”.
Pierre Rosavallon
Para Marques (1997, p. 26) esse autor entende que "Os direitos econômicos e sociais aparecem naturalmente como um prolongamento dos direitos civis".
* Elaboração própria com dados do texto de Arretche (1995) e Marques (1997)

A segunda corrente dos autores que atribuem aos aspectos políticos função principal enxerga a relação ou a disputa entre as forças relacionadas ao capital e ao trabalho como determinante na formação dos aspectos de formação do Estado de Bem-Estar Social.

Ian Gough
Esse autor, segundo a análise de Arretche (1995), tem uma interpretação reduzida do que é o Estado de Bem-Estar Social compreendendo somente os programas sociais voltados para a reprodução da força de trabalho e da população. O autor entende que os programas do Estado de Bem-Estar Social cumprem a função de auxiliar o processo de acumulação capitalista, de reproduzir a força de trabalho e de legitimar o sistema. Entretanto, esse autor reconhece que isso não ocorre de forma automática, pois a expansão desse modelo de Estado está condicionada à dinâmica da acumulação e à capacidade de financiamento dos programas sociais. Para ele, o grau de organização da classe subordinada determina a introdução de medidas de proteção social.
Gostta Esping-Andersen
A importância do grau de desenvolvimento dos trabalhadores é bem apreendida por Gostta. Além de considerar que as diferenças existentes entre os sistemas de proteção são determinadas pela diversidade do peso social ativo, que os trabalhadores assumem em cada sociedade, atribui a suas lideranças a consciência de que a implementação dos programas sociais significa, entre outras coisas, a possibilidade de desmercantilizar parte do custo de reprodução da força de trabalho.
* Elaboração própria com dados do texto de Arretche (1995) e Marques (1997)

E, por fim, alguns autores, segundo Arretche (1997, p. 29), que atribuem aos aspectos políticos função central entendem que a formação do Estado de Bem-Estar Social como “o resultado das configurações históricas particulares de estruturas estatais e das instituições políticas”.

Hugk Heclo
Para esses autores, segundo Arretche (1995) o surgimento e o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social são determinados pela natureza, pela capacidade e pela estrutura das instituições do Estado. Dessa forma, quase não há lugar para variáveis exógenas ao Estado. Entre outras conseqüências, a observação dessas premissas, levaria ao estudo detalhado da situação de cada país, prejudicando o entendimento mais abrangente do fenômeno.
Theda Skoepol
Ann Shola Orloff
* Elaboração própria com dados do texto de Arretche (1995) e Marques (1997).

O Estado de Bem-Estar Social não pode ser entendido apenas como direitos e garantias. Para a construção mais precisa desse conceito também é necessário considerar de que forma as atividades estatais se entrelaçam com o papel do mercado e da família em termos de provisão social (ESPING-ANDERSEN, 1995).
Os direitos de desmercadorização desenvolveram-se de maneiras diferentes nos Estado de Bem-Estar Social contemporâneos. Esses direitos estão aqui entendidos como a base para uma política de proteção social, pois elas aumentam o valor da força de trabalho no mercado. A partir dessa visão de desmercadorização iremos analisar uma tipologia com base na análise de Esping-Andersen (1995).

4.3) Uma tipologia para a interpretação do Estado de Bem-Estar Social: a desmercadorização como elemento de análise

O autor Esping-Andersen (1995) propõem um modelo para a leitura e tipologia dos Estados de Bem-Estar Social. Esse modelo é interessante como instrumento didático, pois permite parâmetros de comparação. Por outro lado, esse modelo recebe algumas críticas justamente por essa simplificação, já que faz uma redução simplista das explicações sobre o surgimento dos modernos sistemas de proteção social em (apenas) duas variáveis-chave – lógica da industrialização e força do movimento operário (Viana e Levcovitz, 2005).
O primeiro modelo é o denominado liberal. De acordo com Viana e Levcovitz (2005, p. 29), Esping-Andersen (1995) compreende esse modelo a partir da ascensão da burguesia que encoraja uma resposta mercantil à necessidade de proteção.  Nos países enquadrados nesse sistema em que há a predominância da assistência social, os direitos sociais não são tão ligados ao desempenho no trabalho, mas associado à comprovação da necessidade. Atestado de pobreza e benefícios reduzidos servem para limitar o efeito de desmercadorização. Desse modo, em países onde este modelo predomina (principalmente, os anglo-saxões[1]), sua aplicação resulta no fortalecimento do mercado, uma vez que todos, menos os que fracassam no mercado, serão encorajados a se servir dos benefícios produzidos pelo setor privado.
Nesse modelo predomina a assistência aos comprovadamente pobres, com reduzidas transferências universais e modestos planos de previdência social. Os benefícios atingem uma cliente de baixa renda, em geral da classe trabalhadora e dependente do estado. Neste modelo, o progresso da reforma social foi severamente limitado pelas normas tradicionais e liberais da ética do trabalho. Os limites do Estado de Bem-Estar Social, nesse modelo, dos benefícios sociais são realizados especificamente para o público necessitado, portanto ações estritas e associado ao estigma dos benefícios tipicamente modestos. O Estado por sua vez encoraja o mercado, tanto passiva “ao garantir apenas o mínimo”, quanto ativamente “ao subsidiar esquemas privados de previdência”. A conseqüência é que esse tipo de regime minimiza os efeitos da desmercadorização.
O segundo modelo (denominado Bismarkiano) adota a previdência social estatal e compulsória como base para direitos bastante amplos. Todavia, este segundo modelo não assegura de uma forma automática e natural uma desmercadorização substancial dos sujeitos frente ao mercado de trabalho, pois depende muito da forma de elegibilidade e das leis que regem os benefícios. Ou seja, nesse modelo as instituições lideram o processo e os encaminhamentos das políticas de proteção social. Esse segundo regime agrupa nações como a Áustria, França, a Alemanha e a Itália. Aqui o legado histórico do corporativismo estatal foi ampliado para atender a nova estrutura de classe pós-industrial. Nestes Estados de Bem Estar-Social conservadores e fortemente “corporativista”, a obsessão liberal com a mercadorização e a eficiência do mercado nunca foi marcante e, por isso, a concessão de direitos sociais não chegou a ser uma questão seriamente controvertida. O que predominava era a preservação das diferenças de status; os direitos, portanto, estavam ligados à classe e ao status. Esse corporativismo estava por baixo de um edifício estatal inteiramente pronto para substituir o mercado enquanto provedor de benefícios sociais; por isso a previdência privada e os benefícios ocupacionais extras desempenharam realmente um papel secundário. De outra parte, a ênfase estatal na manutenção das diferenças de status significa que seu impacto em termos de distribuição é desprezível.
O terceiro modelo (denominado Beveridge) é onde, em princípio, parece ocorrer maior desmercadorização. Esse modelo oferece benefícios básicos e iguais para todos, independente de ganhos, contribuições ou atuação anterior no mercado. Pode ser realmente um sistema mais solidário, mas não necessariamente desmercadorizante, pois só raramente esses esquemas conseguem oferecer benefícios de tal qualidade que crie uma verdadeira opção ao trabalho. O terceiro é, evidentemente, o modelo que agrupa o menor grupo de países. Esse grupo é composto por nações onde os princípios do universalismo e desmercadorização dos direitos sociais estenderam-se também as novas classes médias. Podemos chamá-los de regimes “social-democratas”, pois nestas nações, a social-democracia foi claramente a força dominante impulsonadores da reforma social. Em vez de tolerar um dualismo entre Estado e mercado, entre classe trabalhadora e a classe média, os social-democratas buscaram um Estado de Bem-Estar Social que promovesse a igualdade com melhores padrões de qualidade, e não uma igualdade como as necessidades mínimas cobertas. Isso implica, em primeiro lugar, que os serviços e benefícios fossem elevados a níveis compatíveis até mesmo com o gasto mais refinado das novas classes médias, e, em segundo lugar, que a igualdade fosse concedida garantido-se aos trabalhadores plena participação na qualidade dos direitos desfrutados pelos mais ricos. Esse sistema exclui o mercado e constrói uma solidariedade essencialmente universal em favor do Estado de Bem-Estar Social. Todos se beneficiam; todos são dependentes; e supostamente todos se sentirão obrigados a pagar. Os países do escandinavos são os exemplos nessa tipologia de Andersen.

5) Algumas conclusões
Esse capítulo teve por objetivo examinar as políticas de proteção social a partir de correntes teóricas que interpretam seu nascimento (ARRETCHE, 1995; MARQUES, 1997) e de uma tipologia proposta por Esping-Andersen (1995).
Apontou-se como leitura para o surgimento e evolução das políticas públicas que os fatores econômicos e políticos foram determinantes, ora com predominância de um, ora de outro. Contudo, uma relação é central para o debate aqui proposto, uma vez que as políticas públicas possibilitam um contrapeso ao mercado na proteção aos trabalhadores. Essa idéia é apresentada como a desmercadorização do trabalhador. Pautado por essa idéia foi apresentado os três modelos com base na tipologia de Esping-Andersen (1995) – Liberal, Bismarkiano e Beveredge.
As noções aqui apresentadas tiveram como intuito possibilitar ao estudante conhecer as condições para uma leitura das relações e disputas que se estabelecem na formação de uma política pública. Essas políticas foram apresentadas com base nas políticas públicas sociais que são espaços privilegiados para essa discussão já que estão sempre lidando com questões éticas e culturais e, portanto, passíveis de interpretação e interesses diversos.

6) Obras indicadas sobre o tema
·       MARQUES, Rosa Maria. A Proteção Social e o Mundo do Trabalho. São Paulo: Bienal, 1997;
·       ARRETCHE, Marta. Emergência e Desenvolvimento do Welfare State: teorias explicativas. In: Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Relume-Dumará/ANPOCS, n° 39, 1° Semestre de 1995, p. 3-39
·       HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O Breve Século XX. 1914-1991. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002;
·       ESPING-ANDERSEN, Gostta. As três economias políticas do Welfare State. In: Lua Nova. São Paulo, CEDEC, n° 24, pp. 73-111, 1995
·       VICENT, Andrew. Ideologias Políticas Modernas.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995.
·       ROUSSEAU, Jean-Jacques (1762). Do contrato social.  São Paulo: Ed. Martin Claret, Coleção Obra prima de cada autor, 2004;
·       FIORI, José Luís. Estado de Bem-Estar Social: Padrões e crises. Disponível em http://www.iea.usp.br/iea/artigos/fioribemestarsocial.pdf acesso em 20 de novembro de 2008



[1] Por exemplo, Estados-Unidos, Canadá, Austrália, Grã-Bretanha, Nova-Zelândia e Irlanda.

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