Leia também: Antecedentes das Políticas Públicas e do Estado de Bem-Estar Social e Crises e perspectivas do Estado de Bem-Estar Social
1) Resumo
A conceituação do que se entende por proteção social
e política pública social não ocorre descolada do que se entende por Estado de
Bem-Estar Social. Esse tipo de Estado refere-se a uma situação específica e
demarcada historicamente no período pós-segunda guerra. O objetivo desse capítulo será examinar as políticas de proteção social
a partir de correntes teóricas que interpretam seu nascimento (ARRETCHE, 1995;
MARQUES, 1997) e de uma tipologia proposta por Esping-Andersen (1995). Nas correntes teóricas que interpretam o
nascimento do Estado de Bem-Estar Social duas se destacam, a primeira de
autores que apontam elementos econômicos como central nesse nascimento e outros
que determinam os aspectos políticos como fruto da formação. Já Esping-Andersen
(1995) divide em três tipos de Estado de Bem-Estar Social em sua tipologia: o
modelo liberal, no qual os direitos sociais
não são tão ligados ao desempenho no trabalho, mas associado à comprovação da
necessidade. O modelo Bismarkiano que adota a previdência social estatal e
compulsória como base para direitos bastante amplos. E, por fim, o modelo Beveridge
que oferece benefícios básicos e iguais para todos, independente de ganhos,
contribuições ou atuação anterior no mercado.
2) Palavras-chave
Políticas públicas, proteção social, Política Social,
Estado de Bem-Estar Social,
3) Introdução ao tema e aos objetivos
de formação
Existe uma associação
entre a política social e a proteção social, uma vez que a primeira é um meio
para alcançar a segunda. A Proteção Social, segundo Viana e Levcovitz (2005, p.
17)
consiste na ação coletiva
de proteger indivíduos contra riscos inerentes à vida humana e/ou assistir
necessidades geradas em diferentes momentos históricos e relacionados com
múltiplas situações de dependência
A proteção social tem por
objetivo minimizar, ou até finalizar, os impactos dos riscos e das
vulnerabilidades sobre os indivíduos e a sociedade. A doença, a velhice, a
invalidez, o desemprego e a exclusão por conta de fatores como renda, raça,
gênero, etnia, cultura, etc. (Viana e Levcovitz, 2005) são exemplos de riscos
atacados pela proteção social.
Estabelecido o conceito e
a delimitação da ação de proteção, percebemos que a relação entre o individual
e o coletivo é um aspecto determinante para a definição “de quem” e “para que”
serve a proteção social. Dessa forma, a política pública, retratada aqui como
as ações de proteção social, deve ser sempre uma decisão pautada pelo interesse
de uma coletividade. O interesse da coletividade não é de simples delimitação.
Por outro lado, um conceito
central, nessa definição do objetivo das políticas, é a solidariedade. O custo
econômico, pensando nos aspectos mais aparentes, de quaisquer políticas recai
sobre um determinado grupo, que arca com a assistência dos outros, mais
vulneráveis. Um exemplo disso pode ser a política de previdência social, que
dentro da lógica inter-geracional, que explicaremos mais à frente, os
trabalhadores atuais bancam os trabalhadores do passado. Dessa forma, o grupo
que paga tem um limite no interesse em bancar os outros que recebem. Portanto,
em alguns casos e para alguns modelos atuais, os pagantes podem delimitar seu
poder de interferência (lobbies) em determinadas políticas. Isso sempre
foi, e ainda é, uma questão chave para as políticas públicas e a gestão
governamental contemporânea.
As políticas sociais, como
meio da proteção social, são as atribuições de direitos e deveres legais dos
cidadãos. Essas atribuições são definidas politicamente pelos processos
decisórios, retratados pela disputas dos grupos de interesses, que criam os
marcos legais para pautar as ações do Estado. Essas políticas podem acontecer
por meio de ações de transferências de renda ou da prestação de serviços
públicos, com o intuito da diminuição dos riscos e vulnerabilidades. Essas
ações ou transferências ocorrem para pessoas que gozam de um determinado
direito - padrão mínimo de qualidade de vida e que não podem acessar isso por
seus meios próprios e individuais. Duas correntes teóricas interpretam as
tendências das políticas sociais: a liberal que é mais individualista e a
contratualista, que é baseada na lógica coletiva. Para o liberalismo, o
indivíduo é mais real que a sociedade e a precede (cf. Vicent, 1995). Na visão
liberal, o fato de uma pessoa ter seu valor igual na individualidade gera as
bases para o igualitarismo. A visão contratualista enxerga que por meio de uma
ação de representação e consenso é possível “achar uma forma de sociedade que
defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada sócio, e
pela qual, unindo-se cada um a todos, não obedeça, todavia senão a si mesmo e
fique tão livre como antes” (ROUSSEAU, 2004, p. 31).
O Estado de Bem-Estar
Social refere-se a um tipo específico e demarcado historicamente de intervenção
estatal nas ações em prol de uma política social. Esse padrão inicia-se na
Europa no pós-guerra e segundo Viana e Levcovitz (2005, p. 21) “configura uma
etapa específica de desenvolvimento capitalista, quando o papel do Estado se
alastra para diferentes campos e ganha importância nas decisões políticas,
atores como a burocracia governamental, os sindicatos e a grande corporação”.
Em outras palavras, o Estado de Bem-Estar Social surge pelo exercício da
governança entre os diferentes setores sociais: primeiro setor, representado
pela burocracia estatal; segundo setor, representado pela grande corporação e
pelo interesse do capital; e, terceiro setor, representado pelo sindicato, mas
que se amplia atualmente pelas diferentes setores da sociedade organizada.
O objetivo desse capítulo
será examinar as políticas de proteção social a partir de correntes teóricas
que interpretam seu nascimento (ARRETCHE, 1995; MARQUES, 1997) e de uma
tipologia proposta por Esping-Andersen (1995). Ao estudante no final desse
módulo será possível conhecer as condições para uma leitura das relações e
disputas que se estabelecem na formação de uma política pública. Importante
delimitar que essa leitura será feita a partir das políticas chamadas de
proteção social.
4) Discussão
do tema
4.1) Estado de Bem-Estar Social: modelos de Estados que promovem a
proteção social
No capítulo/material 01 argumentou-se que as
políticas de proteção social aumentam o valor do trabalho, uma vez que
possibilitam um resguardo de alguns benefícios aos que optam por vender sua
força de trabalho no mercado. O trabalho, entendido em seu sentido mais
ampliado, exerce função central para essa formação uma vez que alterou
substancialmente a relação do homem com seu tempo e seu espaço. No período
pós-segunda grande guerra ocorre um aumento do emprego e os ganhos da
produtividade passam a ser incorporados nos salários e, principalmente, a visão
keynesiana permite e legitima a interferência da ação estatal no campo
da proteção individual e dos grupos vulneráveis.
As políticas públicas,
principalmente as de proteção social, aumentam o poder do trabalho frente ao
capital na relação de mercado. Isso está aqui denominado como “direitos de
desmercadorização” e será um eixo central de análise das políticas de proteção
social e na tipologia dos Estados de Bem-Estar Social.
A sociedade salarial
(CASTEL, 1998) vingou também graças a essa série de relações entre as políticas
de proteção social e a condição de assalariamento. Caso o trabalho ficasse à
mercê unicamente da exploração capitalista poderia ocorrer movimentos ainda
mais reivindicatórios chegando inclusive ao limite da violência física. Isso
ocorre porque o crescimento da classe proletária tornou-a mais numerosa e,
portanto, determinaria caminhos através da ação direta ou pelas vias eleitorais.
A ampliação das políticas de proteção social fez, dessa forma, com que os
movimentos sociais não ultrapassassem os limites desejados pelo capital e motivaram
uma força de inibição dos trabalhadores frente ao trabalho forçado, uma espécie
de docilização dos trabalhadores. Assim, as políticas de proteção social
funcionaram ao modo de produção fordista já que fixou o trabalhador na fábrica,
viabilizou a produção em massa e gerou certa previsibilidade na relação entre o
capital e o trabalho (MARQUES, 1997).
Assim, a docilização dos
trabalhadores e o consumo em massa só foram, e ainda são, possíveis quando o
salário, recebido pelo trabalho, se torna mais interessante do que a
mendicância, o roubo ou mesmo a sobrevivência por meios institucionais. Desta
maneira, os riscos básicos associados ao trabalho precisam ser cobertos e foram
a partir desses que os sistemas de proteção criaram seu alicerce. São eles: o
acidente de trabalho, a velhice e a invalidez para o trabalho.
Com base nesses riscos,
podemos delimitar uma primeira fase da evolução dos Estados de Bem-Estar
Social. Nessa fase, esses riscos estão em um primeiro momento associados aos
trabalhadores urbanos e utilizam-se fontes de recursos divididos entre os
empregados e os empregadores. Aqui nesse primeiro modelo, o ofício era determinante
para o nível das políticas de proteção social (enfoque corporativo).
A segunda fase iniciou
quando o modo de produção fordista tornou-se hegemônico. As características
dessa segunda fase são a ampliação contínua para os novos segmentos populacionais
(enfoque cidadão) e a incorporação de novos riscos como objeto de ação dos
Estados de Bem-Estar Social. Nesse período, institui-se o conceito e a prática
da solidariedade inter-geracional. Para esse tipo de lógica o sistema de
proteção é estruturado de forma que os trabalhadores que estão atualmente no
mercado de trabalho arcam com o custo do sistema para os trabalhadores do
passado, os novos bancam os velhos.
Outra característica dessa
segunda fase é a inclusão de outras políticas sociais como, por exemplo, a
inclusão da habitação, das políticas de cuidado para as crianças e o seguro
desemprego. Essa inclusão está associada à “Era de Ouro” (HOBSBAWM, 2002)
graças ao crescimento econômico e a ampliação do assalariamento em todas as
esferas.
Apesar da ampliação do
assalariamento e das políticas sociais, um aspecto é determinante e marca essas
políticas até os dias atuais. Isto decorre do fato de que a população assistida
por essas políticas é composto de cidadãos excluídos da sociedade salarial.
Isso faz com que as políticas do Estado de Bem-Estar social tenham um forte
caráter assistencialista até os dias atuais.
A seguir serão conhecidas
as teorias explicativas da formação dos Estados de Bem-Estar Social e uma
tipologia para sua análise. Essa leitura permitirá aos alunos conhecer
elementos que são determinantes para a formação das políticas públicas como um
campo de disputa da governança local.
4.2) Correntes teóricas sobre o surgimento do Estado de Bem-Estar
Social: fatores econômicos ou políticos como determinante das políticas
públicas
Conforme dito no capítulo/material passado,
a formação do sistema de proteção social é alimentado pela cultura e pelos aspectos
econômicos de cada localidade. Uma leitura mais alargada desses modelos de
Estado permite constatar que uma conjugação de aspectos econômicos e políticos
(ora com predominância dos econômicos, ora dos políticos e vice-versa)
determinaram a formação dos Estados de Bem-Estar Social ou de Proteção Social.
Arretche (1995) divide os
autores em duas correntes: os que atribuem aos aspectos políticos função
central na formação dos Estados de Bem-Estar Social e os que determinam como
central para a formação desses Estados, os aspectos econômicos. Existem duas
correntes de pensamento para os autores que atribuem aos aspectos econômicos
uma função principal. Os autores da primeira corrente compreendem o Estado de
Bem-Estar Social como uma necessidade que surge juntamente com as mudanças
provocadas pela industrialização nas sociedades e, principalmente, pelo modo de
produção fordista. Sistematiza-se as idéias dos principais autores dessa
corrente no quadro a seguir.
Quadro 1 - Autores que compreendem o Estado
de Bem-Estar Social como fruto da
industrialização*
Harold Wilensky
|
Para
o autor, segundo Marques (1997, p. 23), "na medida em que a
industrialização altera radicalmente a vida familiar, concebendo novos papéis
para seus integrantes e diminuindo sua capacidade de determinar a reprodução
da força de trabalho, os programas sociais passam a ser construídos, constituindo
em elementos chave da promoção da coesão e integração social”. Nessa visão, esses
programas sociais só puderam ser criados e evoluíram, dada a produção do
excedente financeiro, gerado e acumulado, pelo processo de industrialização. Contudo,
esse autor considera o elemento cultural na formação do desenvolvimento do Estado
de Bem-Estar Social seria praticamente determinado por fatores culturais fato
que explicara as diferenças entre os países.
|
Richard Titmus
|
O
autor "atribui à crescente divisão do trabalho, propiciada pela
industrialização, as causas da ampliação dos programas sociais" (MARQUES,
1997, p. 24)
Para
Arretche (1995) essa é uma leitura que tem por base a idéia de que "o
homem se tornaria mais socialmente dependente na medida em que se tornasse
mais individualizado e mais especializado" (p.10).
|
Thomas H. Mashall
|
Esse
autor, apesar de enquadrado dentro dessa primeira corrente, tem uma visão
diferenciada. Para ele, tanto a origem como o desenvolvimento do Estado de
Bem-Estar Social devem ser atribuídos à evolução lógica e natural da própria
ordem social decorrente da industrialização (MARQUES, 1997).
|
* Elaboração própria com
dados do texto de Arretche (1995) e Marques (1997)
Para esses autores, como
explica Arretche (1995) não existe espaço para as dimensões políticas como
determinantes das constituições dos Estados de Bem-Estar Social.
Outra corrente associada à
visão dos aspectos econômicos, segundo Arretche (1995), visualiza os
determinantes para a formação do Estado de Bem-Estar Social como resposta às
demandas de acumulação e legitimação do sistema capitalista.
Quadro 2 - Autores que entendem o Estado de
Bem-Estar Social como respostas à acumulação do sistema capitalista*
James O´Connor
|
O
Estado capitalista tem que enfrentar duas funções clássicas e contraditórias:
acumulação e legitimação. Isto quer dizer que o Estado deve tentar manter, ou
criar, as condições em que se faça possível um maior lucro pela acumulação do
capital. Entretanto, o Estado também deve manter ou criar condições de
harmonia social. Um estado capitalista que empregue abertamente sua força de
coação para ajudar uma classe em detrimento de outra perde sua legitimidade.
Porém, um estado que ignore a função de acumulação do capital arrisca-se a
dissecar seu próprio poder.
|
Claus Offe
|
Segundo
Marques (1997, p. 25) o autor “enfatiza o papel desempenhado pelo Estado de
Bem-estar Social no suprimento das necessidades no interior das sociedades
capitalistas avançadas”. No seu entendimento, não só a destruição das formas
anteriores de vida exigiam que o Estado passasse a se preocupar em garantir a
cobertura das necessidades básicas, como seria inerente ao desenvolvimento
capitalista a geração de novas necessidades, tal como a permanente
qualificação da força de trabalho. Em outras palavras, o Estado de Bem-Estar
Social "representa formas de compensação, um preço a ser pago pelo
desenvolvimento industrial" (ARRETCHE, 1995, p.16).
|
* Elaboração própria com
dados do texto de Arretche (1995) e Marques (1997)
Como foi demonstrado uma
segunda corrente teórica encontra nos aspectos políticos o elemento central
para a formação dos Estados de Bem-Estar Social. Entre esses autores, Arretche
(1995) divide suas analises em três categorias. Os primeiros autores consideram
o Estado de Bem-Estar Social como resultado da ampliação progressiva de
direitos. Para esses autores existe uma contínuo de evolução e conseqüência
lógica e acumulativa dos direitos, sendo os primeiros denominados como direitos
civis que abrem precedentes para os políticos e acarretam nos sociais.
Quadro 3 - Autores que teorizam a evolução
dos direitos
Thomas H. Mashall
In: Cidadania, classe, social e status.
|
Esse
autor entende o conceito de cidadania a partir de uma evolução – Direitos
civis influenciam os políticos, que por sua vez, alimentam os sociais.
Portanto, Marques (1997, p. 25) considera que "na medida em que o
continuum (evolução) - de direitos civis para políticos e de direito
políticos para sociais - constitui-se como parte integrante do próprio
construir do conceito de cidadania na sociedade capitalista, os programas
sociais de responsabilidade do estado expressariam o auge desse processo”.
|
Pierre Rosavallon
|
Para
Marques (1997, p. 26) esse autor entende que "Os direitos econômicos e
sociais aparecem naturalmente como um prolongamento dos direitos civis".
|
* Elaboração própria com
dados do texto de Arretche (1995) e Marques (1997)
A segunda corrente dos
autores que atribuem aos aspectos políticos função principal enxerga a relação
ou a disputa entre as forças relacionadas ao capital e ao trabalho como
determinante na formação dos aspectos de formação do Estado de Bem-Estar
Social.
Ian Gough
|
Esse
autor, segundo a análise de Arretche (1995), tem uma interpretação reduzida
do que é o Estado de Bem-Estar Social compreendendo somente os programas
sociais voltados para a reprodução da força de trabalho e da população. O
autor entende que os programas do Estado de Bem-Estar Social cumprem a função
de auxiliar o processo de acumulação capitalista, de reproduzir a força de
trabalho e de legitimar o sistema. Entretanto, esse autor reconhece que isso
não ocorre de forma automática, pois a expansão desse modelo de Estado está
condicionada à dinâmica da acumulação e à capacidade de financiamento dos
programas sociais. Para ele, o grau de organização da classe subordinada
determina a introdução de medidas de proteção social.
|
Gostta Esping-Andersen
|
A
importância do grau de desenvolvimento dos trabalhadores é bem apreendida por
Gostta. Além de considerar que as diferenças existentes entre os sistemas de
proteção são determinadas pela diversidade do peso social ativo, que os
trabalhadores assumem em cada sociedade, atribui a suas lideranças a
consciência de que a implementação dos programas sociais significa, entre
outras coisas, a possibilidade de desmercantilizar parte do custo de
reprodução da força de trabalho.
|
* Elaboração própria com
dados do texto de Arretche (1995) e Marques (1997)
E, por fim, alguns autores,
segundo Arretche (1997, p. 29), que atribuem aos aspectos políticos função
central entendem que a formação do Estado de Bem-Estar Social como “o resultado
das configurações históricas particulares de estruturas estatais e das instituições
políticas”.
Hugk Heclo
|
Para
esses autores, segundo Arretche (1995) o surgimento e o desenvolvimento do Estado
de Bem-Estar Social são determinados pela natureza, pela capacidade e pela estrutura
das instituições do Estado. Dessa forma, quase não há lugar para variáveis
exógenas ao Estado. Entre outras conseqüências, a observação dessas
premissas, levaria ao estudo detalhado da situação de cada país, prejudicando
o entendimento mais abrangente do fenômeno.
|
Theda Skoepol
|
|
Ann Shola Orloff
|
* Elaboração própria com
dados do texto de Arretche (1995) e Marques (1997).
O Estado de Bem-Estar
Social não pode ser entendido apenas como direitos e garantias. Para a
construção mais precisa desse conceito também é necessário considerar de que
forma as atividades estatais se entrelaçam com o papel do mercado e da família
em termos de provisão social (ESPING-ANDERSEN, 1995).
Os direitos de
desmercadorização desenvolveram-se de maneiras diferentes nos Estado de
Bem-Estar Social contemporâneos. Esses direitos estão aqui entendidos como a
base para uma política de proteção social, pois elas aumentam o valor da força
de trabalho no mercado. A partir dessa visão de desmercadorização iremos
analisar uma tipologia com base na análise de Esping-Andersen (1995).
4.3) Uma tipologia para a interpretação do Estado de Bem-Estar Social:
a desmercadorização como elemento de análise
O autor Esping-Andersen
(1995) propõem um modelo para a leitura e tipologia dos Estados de Bem-Estar
Social. Esse modelo é interessante como instrumento didático, pois permite
parâmetros de comparação. Por outro lado, esse modelo recebe algumas críticas justamente
por essa simplificação, já que faz uma redução simplista das explicações sobre
o surgimento dos modernos sistemas de proteção social em (apenas) duas
variáveis-chave – lógica da industrialização e força do movimento operário
(Viana e Levcovitz, 2005).
O primeiro modelo é o
denominado liberal. De acordo com Viana e Levcovitz (2005, p. 29), Esping-Andersen
(1995) compreende esse modelo a partir da ascensão da burguesia que encoraja
uma resposta mercantil à necessidade de proteção. Nos países enquadrados nesse sistema em que
há a predominância da assistência social, os direitos sociais não são tão
ligados ao desempenho no trabalho, mas associado à comprovação da necessidade.
Atestado de pobreza e benefícios reduzidos servem para limitar o efeito de
desmercadorização. Desse modo, em países onde este modelo predomina
(principalmente, os anglo-saxões[1]),
sua aplicação resulta no fortalecimento do mercado, uma vez que todos, menos os
que fracassam no mercado, serão encorajados a se servir dos benefícios produzidos
pelo setor privado.
Nesse modelo predomina a
assistência aos comprovadamente pobres, com reduzidas transferências universais
e modestos planos de previdência social. Os benefícios atingem uma cliente de
baixa renda, em geral da classe trabalhadora e dependente do estado. Neste
modelo, o progresso da reforma social foi severamente limitado pelas normas
tradicionais e liberais da ética do trabalho. Os limites do Estado de Bem-Estar
Social, nesse modelo, dos benefícios sociais são realizados especificamente
para o público necessitado, portanto ações estritas e associado ao estigma dos benefícios
tipicamente modestos. O Estado por sua vez encoraja o mercado, tanto passiva “ao
garantir apenas o mínimo”, quanto ativamente “ao subsidiar esquemas privados de
previdência”. A conseqüência é que esse tipo de regime minimiza os efeitos da
desmercadorização.
O segundo modelo (denominado
Bismarkiano) adota a previdência social estatal e compulsória como base para
direitos bastante amplos. Todavia, este segundo modelo não assegura de uma
forma automática e natural uma desmercadorização substancial dos sujeitos
frente ao mercado de trabalho, pois depende muito da forma de elegibilidade e
das leis que regem os benefícios. Ou seja, nesse modelo as instituições lideram
o processo e os encaminhamentos das políticas de proteção social. Esse segundo regime
agrupa nações como a Áustria, França, a Alemanha e a Itália. Aqui o legado
histórico do corporativismo estatal foi ampliado para atender a nova estrutura
de classe pós-industrial. Nestes Estados de Bem Estar-Social conservadores e
fortemente “corporativista”, a obsessão liberal com a mercadorização e a
eficiência do mercado nunca foi marcante e, por isso, a concessão de direitos
sociais não chegou a ser uma questão seriamente controvertida. O que
predominava era a preservação das diferenças de status; os direitos, portanto,
estavam ligados à classe e ao status. Esse corporativismo estava por baixo de
um edifício estatal inteiramente pronto para substituir o mercado enquanto
provedor de benefícios sociais; por isso a previdência privada e os benefícios
ocupacionais extras desempenharam realmente um papel secundário. De outra
parte, a ênfase estatal na manutenção das diferenças de status significa que
seu impacto em termos de distribuição é desprezível.
O terceiro modelo (denominado
Beveridge) é onde, em princípio, parece ocorrer maior desmercadorização. Esse
modelo oferece benefícios básicos e iguais para todos, independente de ganhos,
contribuições ou atuação anterior no mercado. Pode ser realmente um sistema
mais solidário, mas não necessariamente desmercadorizante, pois só raramente
esses esquemas conseguem oferecer benefícios de tal qualidade que crie uma
verdadeira opção ao trabalho. O terceiro é, evidentemente, o modelo que agrupa o
menor grupo de países. Esse grupo é composto por nações onde os princípios do
universalismo e desmercadorização dos direitos sociais estenderam-se também as
novas classes médias. Podemos chamá-los de regimes “social-democratas”, pois
nestas nações, a social-democracia foi claramente a força dominante impulsonadores
da reforma social. Em vez de tolerar um dualismo entre Estado e mercado, entre
classe trabalhadora e a classe média, os social-democratas buscaram um Estado
de Bem-Estar Social que promovesse a igualdade com melhores padrões de
qualidade, e não uma igualdade como as necessidades mínimas cobertas. Isso
implica, em primeiro lugar, que os serviços e benefícios fossem elevados a
níveis compatíveis até mesmo com o gasto mais refinado das novas classes
médias, e, em segundo lugar, que a igualdade fosse concedida garantido-se aos
trabalhadores plena participação na qualidade dos direitos desfrutados pelos
mais ricos. Esse sistema exclui o mercado e constrói uma solidariedade
essencialmente universal em favor do Estado de Bem-Estar Social. Todos se
beneficiam; todos são dependentes; e supostamente todos se sentirão obrigados a
pagar. Os países do escandinavos são os exemplos nessa tipologia de Andersen.
5) Algumas conclusões
Esse capítulo teve por objetivo
examinar as políticas de proteção social a partir de correntes teóricas que interpretam
seu nascimento (ARRETCHE, 1995; MARQUES, 1997) e de uma tipologia proposta por
Esping-Andersen (1995).
Apontou-se como leitura
para o surgimento e evolução das políticas públicas que os fatores econômicos e
políticos foram determinantes, ora com predominância de um, ora de outro.
Contudo, uma relação é central para o debate aqui proposto, uma vez que as
políticas públicas possibilitam um contrapeso ao mercado na proteção aos
trabalhadores. Essa idéia é apresentada como a desmercadorização do
trabalhador. Pautado por essa idéia foi apresentado os três modelos com base na
tipologia de Esping-Andersen (1995) – Liberal, Bismarkiano e Beveredge.
As noções aqui
apresentadas tiveram como intuito possibilitar ao estudante conhecer as
condições para uma leitura das relações e disputas que se estabelecem na
formação de uma política pública. Essas políticas foram apresentadas com base
nas políticas públicas sociais que são espaços privilegiados para essa
discussão já que estão sempre lidando com questões éticas e culturais e,
portanto, passíveis de interpretação e interesses diversos.
6) Obras indicadas sobre o tema
· MARQUES, Rosa Maria. A Proteção
Social e o Mundo do Trabalho. São Paulo: Bienal, 1997;
· ARRETCHE, Marta. Emergência e
Desenvolvimento do Welfare State: teorias explicativas. In: Boletim
Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro,
Relume-Dumará/ANPOCS, n° 39, 1° Semestre de 1995, p. 3-39
· HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos:
O Breve Século XX. 1914-1991. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002;
· ESPING-ANDERSEN, Gostta. As três economias
políticas do Welfare State. In: Lua Nova. São Paulo, CEDEC, n° 24, pp.
73-111, 1995
· VICENT, Andrew. Ideologias Políticas Modernas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995.
· ROUSSEAU, Jean-Jacques
(1762). Do contrato social. São
Paulo: Ed. Martin Claret, Coleção Obra prima de cada autor, 2004;
· FIORI, José Luís. Estado de Bem-Estar Social: Padrões e
crises. Disponível em http://www.iea.usp.br/iea/artigos/fioribemestarsocial.pdf
acesso em 20 de novembro de 2008
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